Vida de cão

 Texto: Helaine Martins // Ilustração: João Montanaro

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A cachorrada está solta e agora vive em toda parte. Só no Brasil, são mais de 37 milhões de cães dividindo com você os espaços em praças, parques, shoppings, elevadores, condomínios e até restaurantes. Mas, apesar de irresistivelmente fofos, eles nem sempre são companheiros muito tranquilos. Afinal, quem já não viu um vizinho reclamar daquele cachorro do 3º andar que chora o tempo todo? Ou não conhece um pequeno peludo que não para de latir pela janela do carro? E tem ainda aquele cachorrinho da tia que pula em todo mundo e faz você pensar duas vezes antes de visitá-la. Quem nunca se roeu de raiva deles que atire o primeiro osso!

Que o diga a carioca Nina Oliveira, 25 anos. Quando ela saiu da casa dos pais para morar sozinha, não teve dúvidas e comprou Rocky, um lindo beagle com olhar “pidão” e orelhas caídas. Ela só não imaginava que, com apenas 2 meses, o cãozinho seria tão indisciplinado e teria um conceito tão original do que é comestível: comeu o sofá novo, os pufes da vizinha e os tapetes do condomínio. “Todos os dias, eu parava e pensava: não comprei um cachorro, mas, sim, uma peste”, conta Nina, divertindo-se.

Só que os problemas não paravam por aí: como passava o dia sozinho e não tinha mais com o que (ou com quem) brincar, Rocky latia e uivava sem parar. Logo ficou conhecido com o vilão do condomínio. Só depois de inimizades com vizinhos, advertências do síndico e uma multa, Nina tomou uma decisão: adestrá-lo. “A orientação profissional foi fundamental para que eu me desse conta de que Rocky não era um cão mau. Nós dois só precisávamos entender que a dona da casa era eu, e não ele”, lembra Nina, sem perder o humor. “Com seis meses de treinamento, ele já atendia todos os meus comandos. Mas não posso vacilar, senão ele volta a aterrorizar a vizinhança!”

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Cão na linha

Como em qualquer outra relação, com o bichinho também é preciso impor limites. Em casa, na rua ou no parque, nada de deixálo virar o rei do pedaço. Se você não exigir respeito, o cão vai assumir a posição de líder e, assim, estabelecer as regras. E, pelas regras do cachorro, é ele quem te leva para passear, os móveis estão ali para ser mordidos, pular nos outros não é falta de educação e latir sem parar faz parte da rotina.

Segundo a adestradora e consultora comportamental Malu Araújo, uma das melhores saídas para que todo mundo conviva em paz é o adestramento. E isso não significa transformar o cãozinho num robô. O intuito é melhorar a comunicação e ensinar o dono a lidar com as situações do dia a dia. “A maioria das pessoas não precisaria do adestramento se tivesse aprendido a disciplinar seu bicho de estimação desde o início”, explica. “Mas o próprio dono pode educar o cachorro, em qualquer idade.”

Tal dono, tal cão

O treinamento, no entanto, não é tão simples assim. Muitas vezes, envolve uma mudança completa de conduta, tanto do cão quanto do dono: o comportamento do animal se baseia não só no instinto, mas também nos hábitos de quem cuida dele. Se o dono for mal-educado, o cachorro também será. Cara de um, focinho de outro. “A criança reflete o que recebe dos pais, os cachorros fazem o mesmo”, diz a adestradora. “Não existe cachorro mal-educado, apenas donos que não sabem como lidar com eles.”

O paulistano Eduardo Soares, 31 anos, aprendeu a duras penas essa lição: seu irmão foi parar no hospital por causa de um “carinho” do seu rottweiler – que, imagine a fofura, se chama Brutos. Tratado como filho, Brutos podia tudo: fazia xixi em qualquer lugar para demarcar território, usava a calçada como banheiro particular, saía sem guia e coleira pela rua e tinha um apreço especial por pular nas pessoas. Ou seja, um cachorro mimado pelo “pai”, que não queria magoar o filhotão com broncas e repreensões. Foi preciso o irmão levar cinco pontos na cabeça e ameaçar nunca mais voltar a sua casa para que Eduardo procurasse ajuda profissional.

Durante longos dez meses, mais do que os comandos, Eduardo aprendeu que ele mesmo era o responsável pela maioria dos comportamentos indesejáveis do seu cachorro. “Foi complicado esse processo de enxergar o Brutos apenas como um cão, e não como um ser humano, membro da família”, ele admite agora. “Tive de me reeducar e corrigir os maus hábitos que eu ensinava a ele sem perceber.”

Não se derreter diante das diabruras desses peludos de nariz frio e coração quente realmente não é nada fácil. Mas Nina, Rocky, Eduardo e Brutos aprenderam, juntos, uma lição muito antiga e valiosa: seja em casa, seja na rua, todos precisam respeitar os espaços e os limites.
O resultado é garantido: dono consciente, cão (e todo mundo) mais feliz.

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ETIQUETA ANIMAL

Trate seu cão como cão: Quando tratado como gente, o cachorro passa a agir como um menino mimado: desobediente e sem limites. Portanto, nada de exageros!
Calçada não é privada: Não deixe a sujeira virar armadilha para pedestres. Recolher o cocô do animal é obrigação prevista em lei e questão de saúde pública.
Na rua, só com guia: Não deixe sua mascote solta por aí. Não importa a raça, só solte seu animal em local destinado para tal. Se ele for “bravo”, coloque a focinheira.
Use elevador de serviço: E dê preferência a quem não está confortável com a presença do cão.
Não ceda à pressão: Quando o animal puxar a guia durante o passeio, não solte. Quando latir ou pedir comida de gente, não o alimente.

FONTE: Revista Sorria

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