As principais pandemias de gripe dos últimos séculos

A primeira descrição da gripe, também conhecida como Influenza,  no contexto da medicina e da epidemiologia, antes da Teoria microbiana, foi feita por Hipócrates, no século V, ano de 412 a.C. que descreveu a moléstia entre os habitantes da ilha de Creta, na Grécia; e, atribuía a doença às causas ambientais e variações climáticas, dentro da teoria miasmática, influência dos astros e do ar.

Gripe ou Influenza

Etimologicamente as designações  influenza ou gripe se referem a mesma doença. A primeira surgiu dos costumes antigos de se atribuir fenômenos físicos  e influência astrológica na produção das moléstias; a segunda, gripe, que significa “fantasia súbita” ou “desafeição passageira”, teria sido a denominação registrada em carta ao filósofo francês Voltaire, no ano de 1743. (Costa L, et al. Pandemias de influenza e a estrutura sanitária brasileira).

Seja como for, a influenza ou gripe tem causado graves agravos em saúde humana,  estados de emergência internacional e calamidades públicas, em várias regiões do mundo, desde a pré-história.

Nomenclatura do micróbio

O vírus da Influenza isolado no ano de 1933, pelo médico virologista britânico, Patrick Laidlaw, gênero Mixovirus influenzae, pertence à família Orthomixoviridae, que contém um genoma RNA segmentado e fita simples. É classificado em  03 tipos: A, B, e C e seus isolamentos ocorreram nos ano de 1933, 1940 e 1947, respectivamente. O vírus do tipo A, o mais importante, pode infectar humanos e animais e está implicado em episódios epidêmicos e pandêmicos; o vírus do tipo B, que infecta apenas humanos, está ligado a surtos moderados; e o vírus C, mais estável, acomete humanos e suínos, causa doença subclínica, sem potencialidade epidêmica. (Costa L, Pandemias de Influenza).

São características dos vírus Influenza: a alta transmissibilidade e a capacidade de mutação, principalmente do vírus A e B, que se configuram como preocupação para a saúde pública mundial pela maior morbidade e  letalidade.

Observado em microscopia eletrônica, o envelope viral do vírus do tipo A apresenta duas glicoproteínas de superfície: a hemaglutinina (HA) e a neuraminidase (NA) que possibilitam o transporte do vírus nas células do hospedeiro. Essas glicoproteínas estão relacionadas aos fatores de virulência e aos mecanismos de escape à resposta celular e de escape à imunidade natural do hospedeiro. A HA tem como função à fixação e fusão do vírus na célula do hospedeiro, e está dividida em 18 subtipos diferentes (H1 – H18), dos quais, 16 circulam em aves aquáticas e dois (H17 e H18) foram isolados de morcegos. Os subtipos de NA (N1-N11) possuem papel relevante na liberação das partículas virais após a replicação do vírus, assim como a propagação do vírus a partir de um hospedeiro para outro. São essas proteínas as responsáveis pela classificação viral e sua morbidade, mortalidade, letalidade e patogenicidade.

Histórico das pandemias

A historiografia da ocorrência da influenza no mundo feita por publicações científicas revela que a doença já ocorre desde 1650 e que pandemias foram notificadas desde o Séc. XVI, em várias parte do planeta, sem no entanto, identificar o germe causador.  A primeira descrição médica com interessantes observações é atribuída ao médico Molineux, na Irlanda e Inglaterra, entre 1688 e 1693. São encontradas referências de epidemias de gripe no século XVII na América do Norte e na Europa. A partir do início do século XVIII, os dados sobre a doença aumentaram em quantidade e qualidade, pois cronistas e médicos registraram informações e comentários sobre o número de pessoas infectadas, se epidemia ou pandemia, os países envolvidos e as possíveis origens das cepas virais.

Principais pandemias dos séculos XIX, XX e XXI

Pandemia de 1889 – 1890

A pandemia de influenza de 1889 e 1890 foi a última do século XIX e a primeira da “era  bacteriológica”. Ocorreu na Rússia, São Petersburgo, e rapidamente se disseminou pela Europa, Ásia e América. A gripe que acometia a Europa, onde foi chamada de Morbus maximus epidemicus, e teria chegado ao Brasil, no porto de Salvador, em um navio vindo de Hamburgo, na Alemanha, e se espalhado pelo País. Não se tem registro sanitário do número de brasileiros afetados nem a morbidade e letalidade.

Pandemia de 1918 – 1920 – A Gripe Espanhola

A pior pandemia de todos os tempos no mundo, ainda com origem duvidosa, se começou na Ásia ou nos campos militares no interior dos Estados Unidos da América, devido ao intenso  movimento de transporte de tropas das nações aliadas, teve a designação espanhola pelo fato de que a Espanha, neutra na 1ª Guerra Mundial, fez notificação oficial à Organização Mundial de Saúde sobre a doença que devassava vidas no país com grande contagiosidade, morbidade e letalidade.

Essa pandemia foi marcada por extrema abrangência, agressividade e contagiosidade, acreditando-se que teria vitimado 38 milhões de pessoas na Europa e na América. Embora em muitas partes do mundo não existam dados, estima-se que tenha infectado 50% da população mundial, 25% tenham sofrido uma infecção clínica e a mortalidade total tenha sido entre 40 e 50 milhões. O número de 20 milhões de mortes, citado com frequência, é visivelmente muito baixo (Costa L, Pandemias de Influenza).

No Brasil, os números de doentes e mortos são estimados e variáveis. Em São Paulo e Rio de Janeiro, as maiores cidades brasileiras na época, estimam-se que morreram 35.240 pessoas pelo menos, devido à gripe, número esse abaixo da realidade. Dentre essas vítimas está o 5º presidente do Brasil, o advogado e Conselheiro do Império, o Sr. Francisco de Paula Rodrigues Alves.

O agente biológico causador da doença foi identificado como o vírus do tipo A (H1-N1), introduzido no país por tripulantes do navio inglês “Demerara” que saindo de Liverpool, na Inglaterra, atracou e desembarcou passageiros nos portos de Recife, Salvador e Rio de Janeiro.  

Pandemia de 1957 – 1958 – Gripe Asiática.

Originária da China, no continente asiático, essa influenza levou a óbito 4 milhões de pessoas e afetou cerca de 40% a 50% da população mundial. 25% a 30% desta, apresentou a forma clínica benigna típica da doença, enquanto a maioria faleceu de pneumonia bacteriana secundária.

O agente causal dessa pandemia, foi o vírus Influenza A/Cingapura/1/57 (H2N2), com as glicoproteínas HA e NA diferentes de todos os tipos anteriores, que substituiu o Influenza A (H1N1) que circulava no mundo desde a pandemia de 1918-1920. O isolamento do vírus aconteceu primeiramente no Japão, em 1957, seguido dos Estados Unidos e Inglaterra, no mesmo ano.

Atingindo todos os continentes, a gripe asiática (H2N2) resultou num número estimado de 4 milhões de mortes com 1/4000 da população mundial infectada. (W.H.O, 1959).

No Brasil, a notificação  da gripe asiática foi registrada durante o inverno nos meses de julho e agosto na cidade de Uruguaiana-RS, tendo sido identificado o mesmo vírus (H2N2), cepa Cingapura. A gripe se espalhou de Uruguaiana por todo o território nacional, com maior morbidade nas grandes capitais. Não se tem precisamente o número de infectados e mortes registrados oficialmente no Brasil.

Pandemia de 1968 – 1969 – Gripe de Hong Kong

Uma variação genética do H2N2, o H3N2 deu origem a Gripe de Hong Kong, cujo vírus foi identificado e isolado nessa cidade chinesa em 1968, com maior incidência de 40% na população de faixa etária de 10 a 14 anos, e hospitalização e mortalidade entre idosos, jovens e indivíduos com riscos definidos em doenças crônicas e  cardiopulmonares.

No Brasil, a doença não teve maiores agravos de morbidade, mortalidade e letalidade sendo considerada um episódio sazonal  de poucos prejuízos sanitários e de saúde. Os sintomas provocados por este vírus são os clássicos da clínica de gripe: febre alta com início agudo, cefaleia, dores articulares, constipação nasal e inflamação de garganta e tosse. Em alguns casos pode haver vômito e diarreia, sendo estas manifestações pouco frequentes e mais comuns em crianças. (IOC, Gripes H3N2, 2018)

Pandemia de 1977 – 1978 – Gripe Russa

Essa epidemia considerada pelos epidemiologistas, sanitaristas e historiadores como “Benigna”, teve origem em outubro de 1977  na Rússia e um ano após estava disseminada pelo mundo. O tipo A (H1-N1) de origem suína mostrou a capacidade do suíno de como hospedeiro recombinar o vírus e transmiti-lo ao ser humano. Jovens com menos de 20 anos e crianças foram as faixas etárias mais atingidas, registrando-se alta mortalidade e morbidade nesses grupos etários, principalmente nos países de clima frio do leste europeu e na Ásia.

Pandemia 2003 -2004 – Gripe Aviária

Em 1997, foi registrada na Ásia, a transmissão de  um vírus de Influenza aviária para humano. O H5N1, como foi denominado, de alta patogenicidade, se espalhou rapidamente pela Europa, Ásia e África. A partir de 2003, o vírus tem sido detectado sazonalmente em países asiáticos e africanos com alta morbidade e letalidade.

Estudos mais recentes mostram que esse vírus pode infectar vários tipos de aves e até mamíferos, o que requer das autoridades sanitárias, vigilância epidemiológica e sanitária permanente.

Como segundo maior produtor de carnes de aves do mundo, face a esse novo agravo à saúde humana e animal,  o Brasil, através do MAPA, instituiu um Programa Oficial de Vigilância para o vírus da Influenza Aviária (IA).

O monitoramento permanente do MAPA, em todo o Brasil, revelou que no período 2004-2007, demonstrou reação sorológica positiva em aves de produção comercial em Rondônia; isolamento do vírus IA (subtipo H3) em aves capturadas em sítios migratórios no Pará e Pernambuco e identificação de subtipos H2, H3 e H4 em aves de subsistência nos Estados do Amazonas, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Desde o ano 2000, o Brasil implantou o Plano Nacional da Vigilância da Influenza, estabelecida com base nas redes de unidades de saúde sentinela e de laboratórios, com os seguintes objetivos: “monitorar as cepas dos vírus de influenza que circulam nas regiões brasileiras; avaliar o impacto da vacinação contra a doença; acompanhar a tendência da morbimortalidade associada à doença; responder a situações inusitadas; detectar e oferecer resposta rápida à circulação de novos subtipos que poderiam estar relacionados à pandemia de influenza; produzir e disseminar informações epidemiológicas”. (Costa L, Pandemias de Influenza).

Em 2005, por Decreto Presidencial, foi criado o Grupo Executivo Interministerial (GEI), com a finalidade de acompanhar e propor as medidas emergenciais necessárias para a implementação do Plano de Contingência Brasileiro para a Pandemia de Influenza, cuja primeira versão foi apresentada em novembro daquele ano. O GEI era composto por representantes de 16 órgãos da Presidência da República e Ministérios.

Pandemia de 2009 – Gripe A (H1N1) – Gripe Suína.

A primeira pandemia do Séc. XXI, teve origem no México, no dia 07 de abril de 2009, sendo o vírus isolado no dia 23 de abril por americanos e canadenses no Laboratório do Centers for Disease Control – CDC de Atlanta, EEUU. Tratava-se do tipo A (H1N1) de origem suína e que a Organização Mundial de Saúde-OMS, classificou como tipo A (H1N1) pdm 09 – Gripe Suína.

A gripe suína de alta contagiosidade e virulência se espalhou rapidamente do México para a Europa, Canadá, Sudeste asiático, África e América Latina. No período pós-pandêmico que durou até agosto de 2010, tinha atingido 214 países infectados, causando morte de 18.500 pessoas e infecção de 575.400. (The Lancet Infectious Diseases, 2012).

No Brasil, em 2009, foram notificados 88.464 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), dos quais 50.482 foram confirmados como influenza A (H1N1) pdm09, com

2.060 óbitos. O Estado do Rio de Janeiro  teve uma das maiores prevalências da doença  do país, sendo 5.293 casos de SRAG, com 2.777 casos confirmados.  A taxa de mortalidade foi de 1.1 para cada 100 000 habitantes.

As maiores taxas de mortalidade foram observadas em pessoas com idade entre 50 e 59 anos e de 30 a 39 anos e em crianças menores de 2 anos de idade. Cerca de 75% das mortes ocorreram em indivíduos com doenças crônicas subjacentes.

Zoonoses: a gripe nos animais

O vírus da influenza possui característica zoonótica. O vírus do tipo A da influenza foi isolado a partir de várias espécies animais – focas, baleias, cavalos e porcos – como, por exemplo, os vírus (H1N1) de suínos e (H3N8) de cavalos. Tendo aves aquáticas como reservatório primário, o vírus Influenza é capaz de infectar uma ampla variedade de aves e mamíferos, incluindo os seres humanos. O vírus Influenza da espécie aviária, como A (H5N1) e A (H7N9), tem, ocasionalmente, causado doença em humanos.

Estudos sobre o vírus Influenza em animais, seu papel na transmissão e na manutenção da circulação viral e a interface com a doença em humanos são importantes. Para tanto, a OMS mantém, desde 1963, um centro de coordenação (Ecology of Influenza in Animals) em Memphis, nos Estados Unidos da América, para pesquisas com a finalidade de embasar as práticas de vigilância, e conta com a participação de organismos internacionais como a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) e Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

No Brasil, a vigilância da Influenza em animais é exercida pelo MAPA. Maior atenção é dada à (IA), pois além das questões relativas à transmissão para humanos com casos graves e fatais, a produção avícola brasileira é economicamente relevante. Além da (IA), são ainda de notificação obrigatória ao MAPA, com registro nos informes mensais, casos confirmados de gripe equina (cavalos, asininos e muares) e influenza suína, conforme a Instrução Normativa MAPA 50/2013. As influenzas aviária e equina estão na relação de doenças de notificação obrigatória da OIE. A influenza suína, no entanto, não é de notificação obrigatória. (Costa L, Pandemias de Influenza).

 

Fonte: Edino Camoleze – Sociedade Nacional de Agricultura

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